terça-feira, 12 de junho de 2007

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Quero lhe propor um trato... Eu lhe compro todos os quadros que você pintou até hoje! Pago-lhe o dobro. A vista e em dinheiro vivo. Depois você pintará só para mim... Lhe pagarei uma boa quantia mensal... Dois mil reais por mês. Você aceitaria? Não precisa me dar a resposta agora! Além disto lhe comprarei telas, tintas, tudo o que você precisar. Você pintará num atelier que eu vou alugar só para você... Nele você terá espaço, conforto. A comida correrá por minha conta. Você terá dois empregados. Um para ir buscá-lo todos os dias em casa e depois levá-lo de volta... O outro lhe auxiliará em tudo. Esses empregados são meus homens de confiança. Eu pagarei seus salários. Você não precisará se preocupar com nada. Todas as despesas correrão por minha conta. Porém, há um detalhe importante. Você pintará só o que eu mandar! Não importa se você goste ou não... Deverá parar com essas pinturas acadêmicas. Elas são bonitas, lindas, maravilhosas, mas não valem muito... Já foi o tempo que elas valiam alguma coisa! Hoje, o que vale é a pintura moderna! Os geométricos. Os abstratos. Os minimalistas. Você topa? Não precisa me dar a resposta hoje. Vá para casa. Eu lhe dou meu cartão. Quando resolver, ligue-me...
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Tim foi para casa pensativo, de carro, pois o velho mandou seu motorista levá-lo. Naquela noite não dormiu direito... Rolava de um lado, de outro... Quando conseguiu dormir, sonhou... Sonhou que estava num jardim florido. Colhia flores para sua namorada. Flores lindas, perfumadas, de todas as cores. De repente veio um vento e levou todas aquelas flores... Ficaram em suas mãos somente os talos... Vazios, despidos. Mas logo os talos viraram varetas coloridas que pularam de suas mãos e começaram a dançar no ar... E de repente todas aquelas varetas transformaram-se em objetos estranhos, símbolos esquisitos, multicores, semelhantes a sinais, mas sem sentido, sem lógica, sem significado. E se moviam como hologramas dispondo-se em várias posições, cada uma diferente das outras, formando arranjos interessantes, geométricos, pareciam coisas do outro mundo. Tim até que estava gostando daquele sonho, de tudo aquilo... Parecia magia! Aquelas varetas coloridas tinham vida... Viravam coisas que ele nunca tinha visto antes e formavam designers agradáveis aos olhos, simpáticos... Alegres. Depois todas aquelas varetas se transformaram em notas de dólares... Muitos dólares. Milhares de dólares! Tim acordou nesse momento... Sentou-se na cama e relembrou diversas vezes aquele sonho. O que significaria? Seria um sonho premonitório?... Era um sonho diferente de todos os que já havia sonhado até aquele dia. Diferente, artístico, algo surreal, estranho... Ficou pensativo... Levantou-se, lavou o rosto, tomou café e foi até a casa do seu tio rico.
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Lá chegando contou tudo ao tio, que ficou em silêncio por um momento e depois disse-lhe.
--- Filho, parece que a sorte bateu à sua porta ontem! Esse velho é um famoso marchand. Conhecido aqui e fora daqui. Eu já ouvi falar dele. Viaja pelo mundo em busca de obras de arte! É muito rico. Um dos maiores conhecedores de arte moderna brasileira. Freqüenta todos os leilões. Compra muito e vende muito! Se ele se interessou por você, é porque você tem talento! Vá e aceite sua oferta. Pode ter certeza que você só sairá ganhando! Esse sonho que você me contou é simbólico. Significa que sua arte vai atrair-lhe muito dinheiro. Muitos dólares! Tim pensou um pouco e depois disse:
---Mas tio, ele quer que eu pinte só o que ele determinar... Só o que ele escolher! Já não serei mais dono da minha arte, dos meus pincéis, das minhas imagens, das minhas cores... Serei seu escravo!
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O tio retrucou:
---Mas é assim mesmo, filho! Você sozinho nunca irá alem das pernas. Pintará muito e morrerá pobre. Daqui uns anos sua arte será esquecida. Quantos milhares de pintores no mundo pintaram lindas flores, lindas paisagens e hoje ninguém sabe nem siquer que existiram um dia? Seus nomes caíram no esquecimento! Seus quadros estão espalhados pelo mundo, empoeirados em paredes velhas, sujos, abandonados... Alguns até se deterioram. As traças e os cupins comerão todos. Só permanecem nos museus, nas grandes coleções e na história da arte aqueles quadros que fizeram época, que surgiram como novidades, que criaram polêmica, que agitaram o mercado! Arte, filho, não é uma coisa repetitiva. É algo que se renova de tempos em tempos... Você já imaginou se todos os pintores do mundo ficassem pintando as mesmas madonas de sempre? Os mesmos anjos e santos da Renascença? O mundo estacionaria... Estaríamos hoje vivendo igual naquela época remota. Não haveria evolução. Para que o mundo avance é preciso que haja mudanças, transformações, revoluções! É preciso que surja, de tempos em tempos, algo novo, inédito! Os inovadores, os que quebram as correntes repetitivas, esses é que são valorizados! No início são vaiados, repelidos, recusados, incompreendidos. Mas depois são reconhecidos, valorizados e aplaudidos.
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Os artistas que teimam em permanecerem só, sem um marchand, sem um orientador, sem um protetor, sem alguém com dinheiro, poderes, influência no mercado de arte, esses morrem no anonimato... Pouquíssimos conseguem fama. Sucesso. Salvo algumas exceções... Alguns gênios, que são raros. Van Gogh, por exemplo, era pobre, sem recursos... Pintava febrilmente, mas ninguém dava-lhe valor. Mas tinha um irmão, o Teo, que era gerente e marchand de uma das maiores galerias de arte da Europa. A Goupil. Tinha filiais em vários paises. Teo, ao contrário de Van Gogh, era rico. E adquiria todas as telas e desenhos de Van Gogh em troca de uma mesada mensal. Era um dos poucos que acreditava em sua arte. Depois que Van Gogh morreu, Teo começou a "trabalhar", expor ao público seus trabalhos, a criar uma mídia, uma publicidade nos meios de imprensa da época... Alguns anos depois Teo ficou milionário! Hoje, um quadro do Van Gogh vale aproximadamente cem milhões de dólares! Graças a ele, como artista genial, e ao irmão, que foi seu "anjo da guarda".

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Um artista sozinho não vai muito longe... As mesmas leis que regem o mundo esportivo, o mundo musical, o mundo da dança, o mundo dos empresários, o mundo do teatro, do cinema, regem também o mundo da pintura! Veja, por exemplo, um bom lutador de boxe. Ele precisa de um treinador, de um investidor, de um empresário rico que acredite nele, que o financie, que o sustente, senão ele nuca irá além das luvas. Um corredor, por exemplo, que não tenha um patrocinador, uma empresa multimilionária investindo nele, nunca poderá ir correr em outros estados, outros países... Quem lhe pagará as passagens, alimentação, vitaminas, acompanhamento médico, estadias em hotéis, etc.? Ou uma fábrica sem dinheiro, sem um banco que lhe empreste grandes somas, também nunca poderá se tornar uma potência mundial! Existem muitos artistas anônimos que vão morrer anônimos porque não têm um padrinho, um "cartucho", um empresário... É como uma bela prostituta sem cafetão...
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No mundo da arte, filho, "gosto" é empecilho, obstáculo, é pedra de tropeço... Gosto pessoal é o maior inimigo do artista! O artista que só faz o que "gosta", seus "caprichos pessoais", cai no desagrado dos
colecionadores, investidores, marchands, leiloeiros, homens de negócios. Porque o que um artista gosta nem sempre é o que o mercado de arte pede, busca, procura! Você, por exemplo, gosta de pintar flores, mas o mercado quer algo diferente! Quer pintura moderna, abstrata, geométrica, pontilhista, tachista, minimalista. Você gosta da "beleza" mas o mercado de arte quer "feiúra"! quer explosões de tintas sobre a tela... Quer cores berrantes!... Ou então cores escuras, sombrias... Você gosta de pintar coisas com formas harmoniosas mas o mercado de arte quer coisas informes, disformes, sem nexo, sem lógica, sem pé nem cabeça! É isso que o mercado atual quer!
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Veja bem, pense um pouco, um empregado de uma grande empresa tem que fazer o que seus chefes mandarem, não o que ele quiser. Imagine se um soldado não obedecesse seu superior! Seu comandante... O comandante manda ele bombardear uma cidade e ele vai assistir um filme no cinema, ao invés de ir jogar as bombas... Goste ou não goste, ele tem que obedecer as ordens! Senão vai preso, ou é fuzilado! Só assim poderá vir a ser COMANDANTE no futuro! Portanto, se você quer fazer parte da história da arte, se tornar rico, famoso, deve obedecer seu marchand. Ele é que conhece o mercado! Por isso ele é rico, bem sucedido! Seu sucesso é uma prova de que ele sabe o que faz! Vai, filho vai! Amanhã mesmo se alie a esse empresário! Hoje você fará o que ele quer! Amanhã o mundo (e talvez até ele) fará o que você quiser!
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Tim refletiu por um momento, com a mão no queixo, depois coçou a testa, na qual rolavam duas gotas de suor, pois fazia calor naquele dia ensolarado de verão, e retrucou :
---Mas tio, ele é um modernista! Não vi um quadro acadêmico em sua coleção! E eu não entendo nada de modernismo. Só sei pintar quadros acadêmicos! Flores, frutas, vasos, casas, paisagens, marinhas, figuras, retratos... Aliás, nem gosto dos quadros modernos... Alguns os acho horríveis! Manchas de tintas sobre imensas telas... Coisas sem lógica, sem nexo, sem pé nem cabeça! Não suporto esse tipo de arte! Mas não tenho nada contra... Cada artista, na sua!
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O tio retrucou, depois de beber um pouco de cerveja gelada:--- O que você gosta não vem ao caso, filho! Você não compreende aquelas pinturas porque está acostumado aos acadêmicos... Seus olhos habituaram a olhar tudo com olhos de pintor acadêmico... É apenas uma questão de tempo... Quando você entrar pra valer no mundo da arte moderna e acostumar seus olhos a esse tipo de arte, então você começará a gostar dela... É uma questão de habito, filho... Hábito! O homem é controlado pelos hábitos! Basta você repetir por algum tempo uma coisa, e , quando menos espera, já está apaixonado pela coisa... Já não consegue viver sem ela. Veja a cerveja, por exemplo. A primeira vez que alguém bebe um copo de cerveja, acha-a amarga, horrível! Não acredita como tanta gente no mundo que goste dessa bebida! Mas os amigos bebem... "Todos bebem!" Pega mal ele não beber também. Então começa a beber e fingir que gosta... Dali uns tempos não consegue ficar um dia sem bebê-la! O mesmo acontece com o cigarro. A primeira tragada é "intragável"! Depois, já não se pode viver mais sem o cigarro... Para se largá-lo, depois, é a coisa mais difícil!

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