terça-feira, 12 de junho de 2007



Têxto e ilustrações de Abel Fernandes

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O PINTOR O PINTOR O PINTOR O PINTOR
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O nome Nicolay Tim, jovem pintor de 23 anos, já constava em alguns catálogos. Já havia ganho diversos prêmios em salões, inclusive a tão cobiçada Medalha de Ouro. O estilo era o acadêmico. Pintava flores, naturezas mortas, gente, animais, paisagens... Era bom em água. Suas marinhas, rios, lagos, eram excelentes! Conhecia uma técnica maravilhosa de pintar águas que aprendeu com um dos seus mestres.
Estudara com quatro professores. Um de desenho, outro paisagista, um figurativista e um mestre em naturezas mortas... Praticara durante quatro anos com esses quatro artistas consagrados. O paisagista é que lhe ensinara a pintar águas.










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Um dia o mestre chamou seus alunos e disse:
--- Hoje vamos aprender a pintar água. Poucos sabem esse segredo. Mas vou ensinar-lhes! Se vocês aprenderem serão os melhores marinhistas! Mas devem praticar muito! Água, na verdade, não tem cor! É transparente, ou lamacenta, ou esverdeada, conforme o lugar onde estão. Mas se pintarem da cor que são, não parecerão água... Parecerão tudo, menos água. Na verdade, a água vista de longe, é um espelho... Reflete tudo o que há em sua volta se estiver parada. Mesmo em movimento, também é um espelho fragmentado... Prestem bem atenção. Água é reflexo! É brilho, luz, nuances... É como um camaleão. Assume as cores do seu habitat natural. Portanto, quando forem pintar paisagens com água, pintem tudo em sua volta, menos a água. No lugar da água, deixem um vazio... Depois de pintarem todo o quadro, o céu, as nuvens, as montanhas, árvores, pedras, coisas, casas, etc., com a tinta que sobrar na paleta, usem-na para pintar a água. Vão espelhando tudo. Não se esqueçam. Água é espelho! É reflexo! É camaleão furta-cor.

E assim Nicolay Tim aprendeu a pintar marinhas! Suas marinhas eram lindas! E os outros temas também.
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Nicolay Tim comercializava seus quadros numa praça, aos domingos. Vendia por uma bagatela de duzentos reais os maiores e cem os menores. Isso quando vendia! As vezes ficava dois, três domingos sem vender! Não passava muito apuro existencial porque era solteiro. Morava com os pais. Seu pai é que lhe ensinara os primeiros rudimentos do desenho. Seu Hugo, nome do pai de Tim, era excelente desenhista. Mas nunca seguiu carreira. Nunca estudou... Desenhava apenas por prazer. E desde que Tim se viu capaz de
segurar um lápis, começou a ensinar-lhe a desenhar. Trazia papéis da gráfica onde trabalhava. E o menino passava os dias desenhando. Daí pegou gosto pela coisa e aos dezoito entrou numa escola de artes plásticas financiada pelo seu tio rico, que apreciava muito seus trabalhos.
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Era estudioso, dedicado e aprendeu rápido a arte da pintura. Muitos dos seus quadros enfeitavam as paredes da casa do tio rico, que os comprava para ajudá-lo, para animá-lo. Tim havia deixado alguns quadros emoldurados em pequenas galerias de artes, lojas de móveis, mas realmente vendia pouco. Levou alguns num leilão de arte e disseram-lhe que ali só aceitavam quadros de pintores consagrados ou mortos e famosos... Mesmo assim colocaram uma de suas telas a venda, mas não vendeu!
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E assim Tim passava os dias pintando, pintando, pintando... Lindos vasos de flores azuis, amarelas, vermelhas, naturezas mortas com peras, maçãs, abacaxis, bananas, cocos... Belíssimas paisagens, rostos de ciganos, odaliscas, animais, marinhas... Tudo o que lhe passava pela idéia. Às vezes pintava alguns retratos de vizinhos, parentes e cobrava barato só para ter alguns trocados no bolso. Outras vezes pegava seu material de pintura, algumas telas e sumia durante um dia inteiro indo de ônibus à algum ponto isolado de São Paulo, beira de rio, de lagoa, com árvores, fazendas, e produzia várias "manchas". Esboços, croquis... Levava também sua máquina fotográfica e tirava lindas fotos para uso futuro. Um lugar que ele adorava ir era Guarulhos. Naquela época não havia tanta violência, como hoje. Ás vezes ia para Atibaia, outras vezes para Mogi das Cruzes, de trem. Adorava ir para o litoral de São Paulo. Lá pintou dezenas de marinhas. Algumas premiadas. Setenta por cento dos seus trabalhos eram feitos ao vivo, no local e os restantes trinta por cento eram cópias de suas fotos coloridas. Era um bom fotógrafo!
Na escola onde aprendera a pintar os mestres diziam para nunca copiar dos outros... Devia pintar ao vivo, ou então fotografar ele mesmo as coisas que pintaria depois. Nos salões não se aceitam cópias! Ninguém ganha prêmio com cópias! Cópia, só para os aprendizes... Diziam seus mestres. O artista maduro, consciente de sua arte, ansioso por progredir, avançar, deve criar sempre... Nada de cópias!
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Tudo transcorria na mais completa paz e harmonia, até que um belo dia sua vida sofreu uma mudança radical...
Tudo começou naquela linda manhã em que saiu para pintar numa cidadezinha do interior e quando estava trabalhando absorto numa das telas percebeu atrás de si um senhor que o observava atentamente. Era um homem idoso, de uns sessenta e poucos anos aproximadamente, bem vestido. O velho vinha espiando-o já fazia uma meia hora... Depois, com cuidado, para não assustar o pintor, foi aproximando-se lentamente até que chegou a menos de um metro. Cumprimentou Tim e elogiou-o.
--- Rapaz, você pinta bem! Gostei do seu trabalho. Meu nome é Henry Lux Goldman. E o seu?
Estava bem vestido, cabelos e bigodes grisalhos, muito corado, tinha ar esperto, inteligente, olhos azuis, brilhantes, anéis de ouro e diamantes nos dedos, um cordão de ouro maciço. Aparentava ser pessoa muito rica. Mais tarde Tim observou que seu carro era desses bem caros, tinha motorista particular e um segurança.
--- O meu é Nicolay Tim...
--- Prazer em conhecê-lo, Tim. Sou marchand. Tenho um sítio aqui perto. Quer almoçar comigo hoje? Precisamos conversar.
Tim pensou um pouco, coçou a cabeça, olhou para as nuvens meio sem jeito, mas por fim aceitou o convite... Afinal ele já estava com fome e tinha trazido apenas um sanduíche de mortadela e umas bananas. O velho tinha cara boa, sorridente, aspecto inofensivo e irradiava simpatia. Não custava nada acompanhá-lo. Rapidamente arrumou seus apetrechos e seguiu-o até o carro. O velho apresentou-o ao motorista e segurança e depois foram para o sítio.
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Era um belo sítio. Mansão, piscina, jardins bem cuidados, muitas árvores frutíferas, diversos empregados trabalhando. Desceram do carro e o velho convidou-o a entrar. Foram para um salão enorme. As paredes estavam repletas de quadros, alguns imensos. Havia esculturas por toda parte! O chão estava forrado de tapetes persas de todas as cores e desenhos... Era um ambiente requintado, de muito luxo... Sinal de que aquele velho era um milionário... Nicolay Tim estava de boca aberta, queixo caído. Nunca havia entrado numa casa tão luxuosa. A não ser em museus que visitara. A casa daquele velho lembrava bem o Museu de Arte Moderna situado no Ibirapuera. A maioria dos quadros e esculturas eram de estilo moderno... Abstratos, geométricos. Desfilavam diante dos seus olhos atônitos telas de Manabu Mabe, Bandeira, Tomie Otake, Ivan Serpa, Wega, Iberê Camargo, Siron, Flávio de Carvalho, Mira Schendel, Mohaly, Di Prete, Charoux, esculturas de Bruno Giorgi, Tenreiro, Emanoel Araújo, Sérvulo Esmeraldo, Frans Weismann, Guto, Brecheret, Lygia Clark, Vasco Prado, Stockinger, etc.e tantos outros. Tim não falava nada. Apenas observava tudo. E o velho esboçava um sorriso de satisfação.
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Depois de atravessarem o longo salão repleto de obras de arte foram até a sala de jantar. A mesa estava posta. Sobre a mesa estavam pratos magníficos. Um peru assado, um pernil, uma bandeja repleta de bifes de filé mignon, saladas diversas, arroz a la grega, temperos, frutas de vários tipos, vinhos, bebidas, sucos, sobremesas diversas... Era uma mesa preciosa! De dar água na boca... Duas empregadas com aventais e um mordomo serviam os comensais.
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Comeram em silêncio depois foram até a varanda. O velho acendeu um cachimbo desses caros, a fumaça era aromática, sentaram-se em confortáveis poltronas de frente para o jardim florido e começaram a conversar.
Quem iniciou a conversa foi o velho.
--- Que tal? Gostou de minha coleção de arte?
--- Para lhe dizer a verdade, não sei... Não entendo nada de arte moderna! Sei que são quadros caros, muito valiosos, mas eu realmente não aprecio esse tipo de arte. Prefiro os acadêmicos. Gosto mais dos meus...
O velho riu por alguns instantes, depois perguntou:
--- Quanto você vende cada quadro?
--- Os maiores duzentos reais, e os menores variam de cem, oitenta, cinqüenta, conforme o tamanho.
--- O velho levantou-se, fez sinal para Tim esperar, foi até o salão e depois voltou com uma pequena tela de 35 cm por 45 cm. Era uma pintura abstrata, algumas manchas em formatos retangulares de cor marrom escuro sobre um fundo bege claro. Tinha uma assinatura meia ilegível e estava datada de 1971.
--- Sabe de quem é esta tela ? perguntou.
--- Não tenho a menor idéia, respondeu Tim.
--- É de uma pintora chamada Mira Schendel. Sabe quanto vale?
--- Não.
--- Vale uns trinta mil reais!
--- Puxa! Tudo isso?
Pois é. Quantos anos você precisaria trabalhar para acumular essa soma? Para pintar este quadro ela não levou mais do que uma hora...
---Caramba. Como pode valer tanto um quadro assim?
---Pois é. Este é um segredo que poucos conhecem... Houve um tempo em que este quadro não valia muito... Hoje vale uma pequena fortuna. E é disto que quero lhe falar...

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Quero lhe propor um trato... Eu lhe compro todos os quadros que você pintou até hoje! Pago-lhe o dobro. A vista e em dinheiro vivo. Depois você pintará só para mim... Lhe pagarei uma boa quantia mensal... Dois mil reais por mês. Você aceitaria? Não precisa me dar a resposta agora! Além disto lhe comprarei telas, tintas, tudo o que você precisar. Você pintará num atelier que eu vou alugar só para você... Nele você terá espaço, conforto. A comida correrá por minha conta. Você terá dois empregados. Um para ir buscá-lo todos os dias em casa e depois levá-lo de volta... O outro lhe auxiliará em tudo. Esses empregados são meus homens de confiança. Eu pagarei seus salários. Você não precisará se preocupar com nada. Todas as despesas correrão por minha conta. Porém, há um detalhe importante. Você pintará só o que eu mandar! Não importa se você goste ou não... Deverá parar com essas pinturas acadêmicas. Elas são bonitas, lindas, maravilhosas, mas não valem muito... Já foi o tempo que elas valiam alguma coisa! Hoje, o que vale é a pintura moderna! Os geométricos. Os abstratos. Os minimalistas. Você topa? Não precisa me dar a resposta hoje. Vá para casa. Eu lhe dou meu cartão. Quando resolver, ligue-me...
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Tim foi para casa pensativo, de carro, pois o velho mandou seu motorista levá-lo. Naquela noite não dormiu direito... Rolava de um lado, de outro... Quando conseguiu dormir, sonhou... Sonhou que estava num jardim florido. Colhia flores para sua namorada. Flores lindas, perfumadas, de todas as cores. De repente veio um vento e levou todas aquelas flores... Ficaram em suas mãos somente os talos... Vazios, despidos. Mas logo os talos viraram varetas coloridas que pularam de suas mãos e começaram a dançar no ar... E de repente todas aquelas varetas transformaram-se em objetos estranhos, símbolos esquisitos, multicores, semelhantes a sinais, mas sem sentido, sem lógica, sem significado. E se moviam como hologramas dispondo-se em várias posições, cada uma diferente das outras, formando arranjos interessantes, geométricos, pareciam coisas do outro mundo. Tim até que estava gostando daquele sonho, de tudo aquilo... Parecia magia! Aquelas varetas coloridas tinham vida... Viravam coisas que ele nunca tinha visto antes e formavam designers agradáveis aos olhos, simpáticos... Alegres. Depois todas aquelas varetas se transformaram em notas de dólares... Muitos dólares. Milhares de dólares! Tim acordou nesse momento... Sentou-se na cama e relembrou diversas vezes aquele sonho. O que significaria? Seria um sonho premonitório?... Era um sonho diferente de todos os que já havia sonhado até aquele dia. Diferente, artístico, algo surreal, estranho... Ficou pensativo... Levantou-se, lavou o rosto, tomou café e foi até a casa do seu tio rico.
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Lá chegando contou tudo ao tio, que ficou em silêncio por um momento e depois disse-lhe.
--- Filho, parece que a sorte bateu à sua porta ontem! Esse velho é um famoso marchand. Conhecido aqui e fora daqui. Eu já ouvi falar dele. Viaja pelo mundo em busca de obras de arte! É muito rico. Um dos maiores conhecedores de arte moderna brasileira. Freqüenta todos os leilões. Compra muito e vende muito! Se ele se interessou por você, é porque você tem talento! Vá e aceite sua oferta. Pode ter certeza que você só sairá ganhando! Esse sonho que você me contou é simbólico. Significa que sua arte vai atrair-lhe muito dinheiro. Muitos dólares! Tim pensou um pouco e depois disse:
---Mas tio, ele quer que eu pinte só o que ele determinar... Só o que ele escolher! Já não serei mais dono da minha arte, dos meus pincéis, das minhas imagens, das minhas cores... Serei seu escravo!
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O tio retrucou:
---Mas é assim mesmo, filho! Você sozinho nunca irá alem das pernas. Pintará muito e morrerá pobre. Daqui uns anos sua arte será esquecida. Quantos milhares de pintores no mundo pintaram lindas flores, lindas paisagens e hoje ninguém sabe nem siquer que existiram um dia? Seus nomes caíram no esquecimento! Seus quadros estão espalhados pelo mundo, empoeirados em paredes velhas, sujos, abandonados... Alguns até se deterioram. As traças e os cupins comerão todos. Só permanecem nos museus, nas grandes coleções e na história da arte aqueles quadros que fizeram época, que surgiram como novidades, que criaram polêmica, que agitaram o mercado! Arte, filho, não é uma coisa repetitiva. É algo que se renova de tempos em tempos... Você já imaginou se todos os pintores do mundo ficassem pintando as mesmas madonas de sempre? Os mesmos anjos e santos da Renascença? O mundo estacionaria... Estaríamos hoje vivendo igual naquela época remota. Não haveria evolução. Para que o mundo avance é preciso que haja mudanças, transformações, revoluções! É preciso que surja, de tempos em tempos, algo novo, inédito! Os inovadores, os que quebram as correntes repetitivas, esses é que são valorizados! No início são vaiados, repelidos, recusados, incompreendidos. Mas depois são reconhecidos, valorizados e aplaudidos.
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Os artistas que teimam em permanecerem só, sem um marchand, sem um orientador, sem um protetor, sem alguém com dinheiro, poderes, influência no mercado de arte, esses morrem no anonimato... Pouquíssimos conseguem fama. Sucesso. Salvo algumas exceções... Alguns gênios, que são raros. Van Gogh, por exemplo, era pobre, sem recursos... Pintava febrilmente, mas ninguém dava-lhe valor. Mas tinha um irmão, o Teo, que era gerente e marchand de uma das maiores galerias de arte da Europa. A Goupil. Tinha filiais em vários paises. Teo, ao contrário de Van Gogh, era rico. E adquiria todas as telas e desenhos de Van Gogh em troca de uma mesada mensal. Era um dos poucos que acreditava em sua arte. Depois que Van Gogh morreu, Teo começou a "trabalhar", expor ao público seus trabalhos, a criar uma mídia, uma publicidade nos meios de imprensa da época... Alguns anos depois Teo ficou milionário! Hoje, um quadro do Van Gogh vale aproximadamente cem milhões de dólares! Graças a ele, como artista genial, e ao irmão, que foi seu "anjo da guarda".

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Um artista sozinho não vai muito longe... As mesmas leis que regem o mundo esportivo, o mundo musical, o mundo da dança, o mundo dos empresários, o mundo do teatro, do cinema, regem também o mundo da pintura! Veja, por exemplo, um bom lutador de boxe. Ele precisa de um treinador, de um investidor, de um empresário rico que acredite nele, que o financie, que o sustente, senão ele nuca irá além das luvas. Um corredor, por exemplo, que não tenha um patrocinador, uma empresa multimilionária investindo nele, nunca poderá ir correr em outros estados, outros países... Quem lhe pagará as passagens, alimentação, vitaminas, acompanhamento médico, estadias em hotéis, etc.? Ou uma fábrica sem dinheiro, sem um banco que lhe empreste grandes somas, também nunca poderá se tornar uma potência mundial! Existem muitos artistas anônimos que vão morrer anônimos porque não têm um padrinho, um "cartucho", um empresário... É como uma bela prostituta sem cafetão...
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No mundo da arte, filho, "gosto" é empecilho, obstáculo, é pedra de tropeço... Gosto pessoal é o maior inimigo do artista! O artista que só faz o que "gosta", seus "caprichos pessoais", cai no desagrado dos
colecionadores, investidores, marchands, leiloeiros, homens de negócios. Porque o que um artista gosta nem sempre é o que o mercado de arte pede, busca, procura! Você, por exemplo, gosta de pintar flores, mas o mercado quer algo diferente! Quer pintura moderna, abstrata, geométrica, pontilhista, tachista, minimalista. Você gosta da "beleza" mas o mercado de arte quer "feiúra"! quer explosões de tintas sobre a tela... Quer cores berrantes!... Ou então cores escuras, sombrias... Você gosta de pintar coisas com formas harmoniosas mas o mercado de arte quer coisas informes, disformes, sem nexo, sem lógica, sem pé nem cabeça! É isso que o mercado atual quer!
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Veja bem, pense um pouco, um empregado de uma grande empresa tem que fazer o que seus chefes mandarem, não o que ele quiser. Imagine se um soldado não obedecesse seu superior! Seu comandante... O comandante manda ele bombardear uma cidade e ele vai assistir um filme no cinema, ao invés de ir jogar as bombas... Goste ou não goste, ele tem que obedecer as ordens! Senão vai preso, ou é fuzilado! Só assim poderá vir a ser COMANDANTE no futuro! Portanto, se você quer fazer parte da história da arte, se tornar rico, famoso, deve obedecer seu marchand. Ele é que conhece o mercado! Por isso ele é rico, bem sucedido! Seu sucesso é uma prova de que ele sabe o que faz! Vai, filho vai! Amanhã mesmo se alie a esse empresário! Hoje você fará o que ele quer! Amanhã o mundo (e talvez até ele) fará o que você quiser!
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Tim refletiu por um momento, com a mão no queixo, depois coçou a testa, na qual rolavam duas gotas de suor, pois fazia calor naquele dia ensolarado de verão, e retrucou :
---Mas tio, ele é um modernista! Não vi um quadro acadêmico em sua coleção! E eu não entendo nada de modernismo. Só sei pintar quadros acadêmicos! Flores, frutas, vasos, casas, paisagens, marinhas, figuras, retratos... Aliás, nem gosto dos quadros modernos... Alguns os acho horríveis! Manchas de tintas sobre imensas telas... Coisas sem lógica, sem nexo, sem pé nem cabeça! Não suporto esse tipo de arte! Mas não tenho nada contra... Cada artista, na sua!
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O tio retrucou, depois de beber um pouco de cerveja gelada:--- O que você gosta não vem ao caso, filho! Você não compreende aquelas pinturas porque está acostumado aos acadêmicos... Seus olhos habituaram a olhar tudo com olhos de pintor acadêmico... É apenas uma questão de tempo... Quando você entrar pra valer no mundo da arte moderna e acostumar seus olhos a esse tipo de arte, então você começará a gostar dela... É uma questão de habito, filho... Hábito! O homem é controlado pelos hábitos! Basta você repetir por algum tempo uma coisa, e , quando menos espera, já está apaixonado pela coisa... Já não consegue viver sem ela. Veja a cerveja, por exemplo. A primeira vez que alguém bebe um copo de cerveja, acha-a amarga, horrível! Não acredita como tanta gente no mundo que goste dessa bebida! Mas os amigos bebem... "Todos bebem!" Pega mal ele não beber também. Então começa a beber e fingir que gosta... Dali uns tempos não consegue ficar um dia sem bebê-la! O mesmo acontece com o cigarro. A primeira tragada é "intragável"! Depois, já não se pode viver mais sem o cigarro... Para se largá-lo, depois, é a coisa mais difícil!









20
A Arte Moderna veio para quebrar hábitos mecânicos, para romper estruturas fixadas, para revolucionar, para abrir novas portas, entrever novos mundos, novos caminhos, novas janelas, descobrir novas possibilidades, novas linguagens, novas formas de expressão! Filho, você precisa visitar museus de arte moderna, comprar livros que falem sobre o assunto, para poder compreender tudo isso. Você não pode julgar algo sem antes estudá-lo profundamente, meticulosamente, sem antes experimentá-lo! É claro que no mundo da arte moderna tem muita coisa inútil, muito exagero, muita coisa imprestável que um dia será descartada, dissolvida e cairá no esquecimento...
Vá em frente, filho. Um novo horizonte se descortina em seu futuro! Deixe de ser você mesmo por uns tempos... Abra-se para algo novo... Não tenha medo! Um porvir brilhante o convida, o chama... Mergulhe nele de cabeça. Você é jovem. Aproveite sua juventude e experimente tudo o que for novo dentro da arte! Você só ganhará com isso!
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Algo dentro de Tim relutava contra as idéias do Tio... Mas o tio era bem mais velho, vivido, experiente, rico, bem sucedido na vida... Talvez até estivesse errado, mas era melhor ouvi-lo... Melhor seguir seus conselhos. Senão, no futuro, poderia arrepender-se amargamente... Seu tio sempre lhe dizia: "A oportunidade é uma mulher que passa diante de nós uma vez só na vida. Agarre-a nem que seja pelos cabelos!" Aquele marchand, que só tinha cabelos dos lados, e uma careca rosada e brilhante, era a oportunidade de sua vida! Não podia dispensá-lo! (embora fosse difícil agarrá-lo pelos cabelos...)
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No outro dia Tim tomou uma decisão. Pegou o cartão e ligou para ele.
Combinaram de se encontrar no escritório do velho um pouco antes do almoço e foram almoçar juntos. Depois do almoço conversaram. O velho disse:
--- Tim, hoje você faz um levantamento de todos os quadros que você tem prontos em sua casa e espalhados pelas lojas e mini-galerias. Depois, não deixe nenhum em parte alguma. Recolha-os! Traga-os para mim amanhã e eu lhe comprarei todos, como combinamos....
--- Você vai destruí-los?
--- Claro que não. Eles são ótimos! Você é muito talentoso! Vou apenas guardá-los por uns tempos. Depois veremos o que vou fazer com eles. Talvez, um dia venham a valer alguns milhares de reais... Destruí-los, nunca! A arte, seja qual for o tipo, o estilo, deve ser respeitada! Só o próprio artista tem o direito de destruir sua obra, enquanto ela é sua. Se vendê-la, perde esse direito...
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Bem, vamos pular para três meses depois desse encontro... Nesses três passados o velho alugou um galpão próximo da casa de Tim, comprou-lhe as telas, tintas, tudo o que ele precisava, como havia prometido, orientou-o quanto ao tipo de pintura que Tim iria realizar dali para frente, e nisto o velho foi categórico! Disse com ênfase:
---Você deve escolher um estilo, uma técnica a qual você possa pintar, no mínimo, dez quadros por dia! Vou lhe sugerir o seguinte. Você vai pintar símbolos coloridos num fundo claro ou símbolos claros num fundo escuro! Tem que haver muito contraste! Use cores fortes! Invente formas geométricas inéditas, letras ao contrário, de cabeça pra baixo... Junte várias coisas numa só... Traços, círculos, semicírculos, pontos, quadrados, retângulos, como se fossem códigos, escritas cifradas, caligrafias de outros planetas... Invente, filho! Invente! Crie! Quanto mais exóticas, misteriosas, enigmáticas forem suas imagens e sua linguagem pictórica, melhor. Não tenha medo de criar! Ponha seu cérebro pra funcionar.








24
Pare de copiar o mundo. O mundo é que deverá copiá-lo, um dia! Os gênios, os homens de sucesso não copiam, são copiados! Veja as formas que preenchem e cobrem o mundo hoje. Foram os artistas que as inventaram todas! Veja os estilos dos prédios, edifícios, casas de hoje... Essas formas vieram de um estilo dos anos trinta chamado Arte-Deco. E o mundo inteiro aderiu a esse estilo e o imita até hoje! Algum dia outros artistas inventarão outros modelos e o mundo os seguirá obedientemente. A maioria da humanidade é "maria vai com as outras!"... Se um artista famoso pinta o cabelo de azul, no outro dia "metade do mundo" pintou também o cabelo de azul!
A medida que o velho falava, Tim se entusiasmava. Era inteligente! Aprendia tudo com facilidade...
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Não demorou muito e Tim já estava produzindo telas e mais telas, conforme as orientações do velho marchand Henry Lux Goldman.... O velho vinha visitá-lo de vez em quando, olhava seus quadros, elogiava, criticava, dava um palpite aqui, outro ali, orientava, aconselhava, depois juntava tudo e levava para um depósito que alugara especialmente para esse fim. No final do mês o velho trazia um envelope fechado contendo exatamente a quantia de dois mil reais, em notas de cem e de cinqüenta, e dizia, brincando, para Tim:
---As de cinqüenta você gasta, as de cem, põe numa poupança!
Esqueci de dizer que o velho fez Tim assinar um contrato, o qual antes de assiná-lo, foi levá-lo para seu tio ler. No contrato dizia que Tim não podia vender ou dar seus quadros a quem quer que fosse, nem aos seus parentes mais próximos. O tio não gostou muito dessa parte do contrato mas compreendeu que o velho estava certo! Coisas sérias devem ser levadas a sério. O tio de Tim já era rico mesmo, tinha já uma bela coleção dos quadros de Tim e não se importou... Aconselhou-o a seguir o contrato rigorosamente.
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O velho marchand disse a Tim para ele evitar comentar com outros o que estava fazendo. Quanto mais segredo guardasse, melhor! O segredo é a alma do sucesso, dizia o velho... Fale pouco e aja mais! Quem muito fala, aborta seu futuro! Não realiza nada... O silêncio tem um poder misterioso! Repetia o velho sempre... Isto porque Tim, as vezes, falava demais... Principalmente quando bebia algum vinho, ou cerveja!
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Tim trabalhava com entusiasmo! Sua vida melhorara dali para a frente. Estava mais feliz, saudável. Parte do dinheiro que recebia do velho, dava ao pai, que estava bem satisfeito com a novidade. Aos sábados e domingos tirava para descansar. Saia as vezes sozinho, ia visitar museus, livrarias, galerias de arte. Outras vezes ia com a namorada ao cinema, ao shoping, onde lhe comprava lindos presentes... A namorada de Tim, Lúcia, estava adorando essa nova fase dele, embora se ressentisse um pouco pela falta de atenção a ela, mas compreendia... Às vezes ia visitar Tim e encontrava-o mergulhado no trabalho, vestindo um uniforme manchado com todas as cores do arco-iris, telas e tintas espalhados por todos os lados. Parecia um "Dali" em franca atividade!
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Por outro lado o velho movia seus pauzinhos... Anunciava, de vez em quando, aos seus amigos marchands, que havia descoberto um novo gênio da pintura... Um novo Picasso! Alguns ficavam curiosos, queriam saber mais detalhes, mas o velho mudava logo de assunto! Era um "malandro" experiente... Sabia que tinha que manter segredo até que a "árvore começasse a dar frutos". Nesse mundo, o mundo das artes, onde rolam fortunas incalculáveis, quem fala demais perde possibilidades, oportunidades, acaba entregando o ouro ao bandido, isto é, dando pistas aos concorrentes. Para que uma coisa dê bom resultado e renda o máximo tem que manter-se hermeticamente fechada e só vir a luz quando estiver pronta, acabada, completa... Por isso a sábia mãe natureza mantêm o bebê dentro da barriga materna durante nove meses!







29
E Tim, rapaz esperto, ladino, trabalhador, continuava produzindo telas e mais telas, às centenas... Era uma atrás da outra. Arte é assim. Quando se pega gosto pela coisa pode-se trabalhar horas, dias seguidos, sem se cansar! Pode-se considerar que arte, quando se gosta, não é trabalho, é prazer, diversão, lazer! E Tim amava o que fazia! Apaixonou-se por esse mundo de símbolos, texturas, superfícies, cores, maravilhas! Pintava, no mínimo, dez telas por dia, como o velho lhe havia pedido! Às vezes produzia mais de dez... E ele era hábil em fazer as coisas. Planejava tudo direitinho. Punha dez telas enfileiradas em dez cavaletes, misturava as tintas suficientes para as dez telas, e mandava brasa.
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Havia bolado centenas de símbolos... Andava pelas ruas observando tudo, e tudo lhe falava, lhe sussurrava segredos. Tudo em seu redor, uma nuvem, um ramo de árvore, um grafite num muro, um papel levado pelo vento, uma pipa no ar, um fio de luz com restos de pipas pendurados... Tudo lhe dava idéias. Andava sempre com uma máquina digital, uma bolsa a tira-colos, um bloco de desenhos, lápis de cor e vivia fotografando, fazendo rabiscos, rascunhos, croquis... Ia nos sebos e comprava livros escritos em chinês, japonês, árabe. Livros de arte egípcia, etrusca, asteca, inca, etc. Desses livros tirava muitas idéias... Comprou também alguns dicionários de símbolos, todos ilustrados ricamente, e deles extraia muitos sinais. Na verdade, ele não os copiava. Seguia os conselhos que o velho lhe deu de não copiar. Ele juntava dois, três, quatro, e deles fazia um... Pegava o pedaço de um, o detalhe do outro, juntava os dois, virava tudo ao contrário, ou de cabeça para baixo e pimba, mais um símbolo na sua coleção! Fizera várias fôrmas de cartão para facilitar seu trabalho. E ele era um colorista de primeira... Misturava as tintas e produzia mil variedades de cores... Seus verdes, seus azuis, seus encarnados, seus lilases, eram de causar inveja a qualquer decorador!





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À noite, ao dormir, sonhava com os símbolos. Via-os vivos, como se fossem entidades de um mundo fantástico, que conversavam com ele, contavam-lhe histórias, formavam arranjos, anagramas, tudo colorido, tudo maravilhoso, brilhante, vibrante... Dançavam diante de seus olhos atônitos e fascinados. No outro dia de manhã estava cheio de novas idéias, e jogava-as nas telas sem dó e piedade! O velho já tinha em seu depósito uma coleção de umas mil e tantas telas de Tim...
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E por falar no velho, ele continuava trabalhando no plano de tornar aquele jovem artista no maior gênio da arte moderna! Já havia escolhido grupos de telas para realizar exposições por todo o Brasil, já havia fotografado todas, já pesquisava gráficas para produzir catálogos, convites. Já havia conversado com os donos de dez hotéis brasileiros... No meio artístico, no mundo dos leilões e dos investimentos em artes, sussurrava-se pelos cantos sobre um novo pintor que estava para despontar a qualquer momento na mídia!
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Tim nem suspeitava dos arranjos do velho... Trabalhava em suas telas como uma máquina inexorável, incansável. Era jovem, cheio de energias... E pintava, pintava, pintava... E o velho levava as telas rapidamente, mal dando tempo para Tim apegar-se a elas... Mas Tim fotografava todas, jogava-as no seu computador e de vez em quando ficava horas olhando-as com muita atenção para não repetir os próprios quadros.
De vez em quando o velho marchand vinha até o atelier e Tim aproveitava para fazer-lhes perguntas.















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--- Como surgiu a Arte Moderna? Perguntou Tim.
--- A Arte Moderna surgiu no final do século dezenove e pegou força no início do século vinte, respondeu o velho, depois de pensar um pouco.
--- O que fez surgir a Arte Moderna, como ela apareceu?
---Você está perguntador hoje! Isso é bom! É perguntando que se aprende!
Arte Moderna surgiu de uma revolta como todos os movimentos artísticos. De uma revolução. Mas antes de continuar falando da Arte Moderna, tenho que falar um pouco de um fenômeno humano, para você compreender melhor o assunto.
A humanidade se divide em duas partes, uma "a favor", outra contra! Uma que "desce" a corrente do rio da vida, concordando com tudo, imitando, copiando tudo comodamente, como "carneirinhos obedientes" e a outra que "sobe" o rio da vida nadando contra as correntes, discordando de muitas coisas, perguntando, questionando, desobedecendo muitas vezes... Estes são a minoria! Posto isto, vamos para a Arte Moderna.
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Alguns pintores fiéis representantes da segunda classe, a "minoria", os que questionam tudo, estavam cansados dos acadêmicos... Não suportavam mais o academicismo com suas regras rígidas, seus rigores, seus excessos de seriedade... Naquele tempo um indivíduo que quisesse ser pintor teria que estudar, no mínimo, um ano de desenho, um de perspectiva, um de modelo vivo, um de "ciência das cores", e só depois de cinco, seis anos de estudos poderia entrar na Academia. Para ser aprovado na Academia de Belas Artes naqueles tempos o candidato tinha que ter um desenho impecável, com perspectiva perfeita, formas anatomicamente exatas, combinações de cores perfeitamente harmoniosas, sem um erro! E só após alguns anos de carreira, aperfeiçoamento, poderia expor em salões ao lado dos mestres consagrados! E estes formavam um grupo impenetrável! Os "monstros sagrados" da Arte! Difícil era entrar para esse grupo. Muito mais difícil ainda era tornar-se pintor de renome, naqueles tempos! Mas os novos pintores da corrente moderna queriam, a todo custo, explorar outros campos, outras áreas, outras técnicas artísticas. Pintaram alguns quadros contrariando as regras do academismo. Só que não foram aceitos pelo meio artístico. Foram recusados, incompreendidos, vaiados, pichados; proibidos de exporem seus quadros nos salões acadêmicos. Eram todos jovens artistas, a maioria boêmios. Juntaram-se, formaram um grupo e alugaram um grande salão para exporem seus quadros recusados pelos acadêmicos.
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Esse salão chamou-se Salão dos Recusados. E por incrível que pareça, foi um sucesso de público! Porém, o público não foi visitar esse salão para aplaudir, para comprar as obras ali expostas, mas sim para vaiar, para rir, para ridicularizar aqueles jovens artistas. Salvo alguns poucos mais inteligentes, as pessoas iam lá como quem vai a um circo ver palhaços, truques de mágicas, a mulher barbada, enfim, coisas exóticas... Iam como quem vai a um zoológico ver as feras! Enfim, para divertirem-se com as novidades! Alguns chegaram a jogar tomates maduros e ovos nos quadros expostos...
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--- Ah! Quer dizer que o pessoal não gostou da Arte Moderna?
--- De forma nenhuma! Ainda hoje muita gente a detesta!
--- E como ela chegou à situação atual? A ser tão valorizada, tão aplaudida? Hoje, certos quadros modernos, como alguns de Picasso, chegam a valer mais do que um acadêmico da mesma época?
--- Porque por trás daquelas telas, daqueles quadros ousados, estavam jovens talentosos, corajosos, persistentes, que não se intimidavam com as dificuldades. Eram jovens idealistas, sonhadores... A maioria: gênios! Verdadeiros artistas. Estavam vendo o futuro! Esta é uma característica do verdadeiro artista, do gênio. Ele tem imaginação fértil. Tem visão interior, clarividência! Vê o invisível... Vê o que ainda vai materializar-se. Vê o porvir!







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Veja-se por exemplo o impressionista Seurat. Sua técnica era a do pontilhismo. Hoje essa técnica é bem aceita na sociedade, temos diversos artistas consagrados e famosos que utilizam essa técnica, sendo que um dos mais conhecidos aqui no Brasil é o pintor Cláudio Tozzi. Essa técnica, a do pontilhismo foi usada de forma mais espalhafatosa por todos os impressionistas franceses. Renoir, Van Gogh e outros pintavam quadros com milhares de traçinhos coloridos e eram as misturas desses traçinhos que davam vibrações cromáticas às suas telas. E foi do pontilhismo que nasceu o of.-set, técnica de impressão gráfica utilizada hoje no mundo inteiro, inclusive a arte fotográfica chamada digital, cujas imagens são compostas por milhões de pontinhos coloridos, deve sua descoberta a Seurat, o primeiro pintor a utilizar os pontos coloridos em suas telas. Naquele tempo Seurat foi vaiado, pichado, incompreendido, criou polêmica com um dos seus quadros, "Um domingo de verão na grande Jatte."... Mas foi graças a ele que as artes gráficas e fotográficas atingiram o ponto máximo de expressão no mundo!
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O povo, as multidões, não vêm o amanhã. Só vêm o passado... Alguns poucos vêm o presente... Raríssimos, o futuro...
--- E eles conseguiam vender seus quadros?
--- Qual nada... Dizem que Van Gogh só vendeu um quadro em toda sua vida. Eu pessoalmente não acredito nisto. Ele deve ter vendido mais de um... Mas o fato é que alguns tinham parentes ou amigos ricos, que os auxiliavam. Muitos dos quadros desses pintores eram trocados por pratos de comida... (hoje valem milhões de dólares) Ou trocavam pelo aluguel do atelier... Alguns, alem de quadros, faziam bicos e diversos serviços variados. Outros pintavam retratos sob encomenda... Embora fossem modernos, muitos deles sabiam desenhar bem, e pintavam alguns quadros em estilo acadêmico para não morrerem de fome... Outros "copiavam" quadros de pintores mais famosos e os vendiam para algumas pequenas galerias e marchand oportunistas. E assim esses jovens sobreviviam...
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Mas se a Arte Moderna chegou ao ponto em que está hoje, muito se deve aos marchands... Eles foram os primeiros a se interessarem por aqueles pintores "malucos", exóticos, ousados... Compravam quadros de todos eles e os guardavam em depósitos! Esperando valorizarem, com o tempo. Sabiam, intuitivamente, que um dia seriam valorizados. Os marchands, de tanto observarem pinturas, aquarelas, desenhos, também desenvolvem, como os pintores, uma certa "visão interna", uma certa clarividência... Um certo poder de adivinhação. E isso os auxilia muito a ganhar dinheiro com arte... Quando o artista não é famoso, seus quadros são baratos, acessíveis... Imagine, por exemplo, quem conheceu Picasso em seu início de carreira e comprou dele muitos quadros... Guardou-os e depois vendeu-os pelos leilões da Sotebys! Hoje, seus herdeiros são milionários!
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--- Quem você acha que foi o primeiro moderno?
--- As opiniões variam, conforme os lugares, países, cidades. Mas eu, pessoalmente, acho que foi Courbert, que foi um dos primeiros a expressar seu desprezo pelas convenções e autoridades da época organizando um pavilhão só para apresentar seus trabalhos mais recentes, aliás extremamente ousados para a época... Isto foi em 1863 e a exposição chamou-se: "Exposição Universal de Paris".
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--- Quando foi que aconteceu o tal Salão dos Recusados?
--- Em 1863, mesmo ano da exposição de Courbert. Nessa época, de efervescência intelectual, muitos pintores, escritores, poetas estavam experimentando outros terrenos inexplorados, outras novidades, novas formas de expressão. Alguns poetas já estavam abolindo a rima de seus poemas... Outros a métrica. Mas os poetas, escritores, encontravam mais facilidades para exporem seus trabalhos ao público através de pequenos jornais e em revistas, livretos e folhetins que eles mesmos produziam e financiavam... Porém, para os pintores, tudo era mais difícil... Havia quadros grandes e esculturas que pesavam dezenas de quilos...
Precisavam de local para exporem seus trabalhos. Foi aí que surgiu o Salão dos Recusados.






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--- E esse Salão dos Recusados prosperou, progrediu, ou teve vida curta?
--- Ele durou mais de dez anos, pois em 1874 entraram nele os grandes impressionistas, hoje os mais famosos pintores do mundo! Mas naquela época eram pouco conhecidos...
Mas foi na virada do século que a arte moderna explodiu de vez! Foi na transição do século dezenove para o vinte que o modernismo surgiu com força total e resolveu fincar suas raízes no meio artístico! Geralmente é sempre nessas viradas de século que coisas importantes acontecem no seio da humanidade!
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E assim Nicolay Tim aprendia rapidamente o que era e é a Arte Moderna, como surgiu, por quais motivos veio a existência e quais pintores foram seus criadores... O velho marchand, pacientemente, lhe ensinava tudo o que aprendera durante os mais de quarenta anos no ramo! E Tim estava adorando essa nova vida de pintor moderno... E pintava, pintava, pintava...
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Uma vez o velho Henry veio visitar Tim e este aproveitou para perguntar-lhe sobre um assunto que vinha ocupando sua atenção já fazia algum tempo.
--- Sr. Henry, lembra-se da primeira vez que fui ao seu sítio e o Sr. me mostrou um quadro de uma pintora chamada Mira, que valia uma pequena fortuna e o Sr. disse que ela era uma "minimalista". O que significa essa palavra: minimalista?
--- Minimalista, filho significa o que a própria palavra evoca: mínimo. É uma corrente dentro das artes em geral que cultiva em seus trabalhos a idéia do mínimo. Isto é, expressar o máximo com o mínimo. Um pintor minimalista colocará em suas telas o mínimo de elementos possível. Poucas cores, poucas pinceladas, poucas imagens. Algumas telas de Mira Schendel são compostas por uma massa de cor clara contendo apenas uma pequena letrinha, ou um sinal gráfico qualquer, ou até mesmo um simples rabisco. Qualquer artista pode fazer isso com a maior facilidade, mas nunca terá o valor de Mira, porque ela foi a primeira brasileira a usar essa técnica aqui no Brasil. No mundo da arte é sempre o "primeiro" a fazer uma coisa que tem valor. Os outros, os imitadores, não passarão disso. Portanto, quem quiser fazer carreira dentro das artes, quem quiser tornar-se mestre, ficar conhecido, deve inventar algo novo, deve CRIAR. Só os criadores são valorizados! Há, por exemplo, um pintor que faz apenas um corte, ou mais de um corte, na tela. Seu nome é Lucio Fontana. Seus quadros valem uma fortuna! Arcângelo Ianeli pinta imensas telas com apenas duas, três, ou até mesmo uma só cor. E essas telas são caríssimas. Ele foi um dos primeiros a fazer isso aqui!
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Portanto, nunca se esqueça. Em arte, quem cria, é o máximo. Quem copia, ou imita, não passa de uma sombra... Nunca terá a grandeza da luz! Quer iluminar o mundo, filho, crie! Invente! Descubra algo novo, que ninguém nunca fez! E é aqui que mora a dificuldade. Tudo o que um indivíduo resolve fazer, outro já fez antes. Mas na verdade isto é uma ilusão. Se o artista for persistente, acabará descobrindo algo inédito! Quando Cristóvão Colombo estava preparando a esquadra para sair ao mar em busca de novos mundos, seus amigos lhes diziam: "Não adianta, tudo o que tinha que ser descoberto, já foi! Não há mais nada de novo na Terra!" E isto foi a mais de quinhentos anos!
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E assim Tim aprendia cada vez mais. Havia encontrado um mestre! O máximo que um artista pode encontrar em seu caminho. Um mestre, um protetor, um guia, alguém que sabe pela experiência, não por leituras ou palestras, mas porque experimentou, viveu. O velho marchand já havia convivido com os maiores nomes das artes plásticas do mundo. Conhecia o segredo de todos, a vida de cada um, por isso se tornou milionário! E agora estava dedicando toda sua atenção a esse jovem artista cheio de boa vontade, cheio de gana, de sonhos. Tim não era o primeiro. Já havia criado muitos nomes nas artes brasileiras. Já havia tirado pintores das trevas do anonimato e lançado-os à luz da fama. Alguns ainda eram fiéis ao velho, porém outros, mais tolos, o abandonaram ao receberem os primeiros afagos da fama e agora haviam caído de novo no esquecimento. E o velho detestava a tolice. A ingratidão! Tim, porém, além de inteligente, ladino, era grato ao velho. Amava-o como a um pai. E os dois se davam muito bem. O velho, às vezes, olhava para Tim e via nele um filho, um neto. Tratava-o com carinho...Tim era um bom discípulo, um bom aprendiz! E o velho estava realmente decidido a tornar aquele jovem artista
um dos maiores gênios das artes plásticas do Brasil!
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E o velho planejava, fazia contas, cálculos... Pensava, pensava...Passava horas fumando seu cachimbo e com um bloco e uma caneta na mão calculava, fazia esboços e sonhava, imaginava, refletia, analisando tudo meticulosamente. Seu plano amadurecia a cada dia! Primeiro ele iria colocar os quadros de Tim em leilões pequenos, esses de lance livre. E iria pagar para alguns "laranjas" comprarem os quadros de Tim. Inclusive, disputarem os quadros. Depois iria fazer exposições em pequenas galerias de arte. Procuraria revistas literárias e pagaria para que o nome de Tim saísse, de alguma forma, em pequenas reportagens sobre arte, que são comuns nessas revistas. Ele tinha que fazer o nome "NICOLAY TIM ficar conhecido. Depois compraria espaços em revistas mais famosas, pagaria para repórteres fazerem reportagens sobre Tim, com fotos coloridas! Onde ele pudesse colocar o nome de Tim no meio artístico e literário, ele faria! Ele sabia que quando se trata de comercializar algo, vender, é preciso muita propaganda, muita publicidade! Sem propaganda, sem publicidade, nenhum produto, seja utilitário, intelectual, medicinal, alimentício ou artístico pode conquistar o sucesso, a vitória. Pelos seus cálculos iria gastar uns oitenta mil reais para promover o nome de Tim no mercado de arte. E para os quadros de Tim alcançarem um preço alto, levaria, no mínimo, uns dois anos. Mas depois que Tim começasse a subir, ninguém o pararia... Até lá ele já teria em seu poder mais de três mil telas de Tim. Imagine essas telas alcançando a cifra de uns cinco mil reais cada, quanto ele não ganharia? Por baixo, uns quinze milhões de reais!
Tim nem siquer imaginava o que o velho marchand planejava... Só pensava em pintar, pintar, pintar!
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E tudo sucedeu exatamente como o velho marchand planejou.
No começo os quadros de Tim eram vendidos em pequenos leilões e galerias de arte. Depois iniciaram-se as exposições, as vernissage. Em seguida, reportagens sobre Tim em todos os jornais e revistas do Brasil. Depois os quadros de Tim foram para os leilões mais badalados, onde freqüentavam gente da alta sociedade, ricos empresários, colecionadores, donos de galerias.
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Atualmente os quadros de Tim já alcançam a soma dos oito, dez mil reais. O velho está ficando cada vez mais milionário. E Tim também, porque depois de um certo tempo o velho redigiu outro contrato, onde os dois participam do lucro de cada quadro em cinqüenta por cento. Metade dos valores dos quadros vão para os bolsos do velho e a outra metade para os de Tim.
E foi assim que morreu o pintor acadêmico e nasceu o pintor moderno! Morreu o pobre e nasceu o rico! Morreu o passado e nasceu o futuro!
Esta história é ficção, mas pode ser real. Muitos dos pintores famosos da atualidade tiveram uma história parecida...